Holanda
Tanto posso escrever sobre este país... Não será fácil resumir 5 anos, mas tentarei...
Tudo começou quando hoje lavava o rosto e me apercebi que estava na Holanda e que tinha estado muitos anos, e muitos dias perante o mesmo espelho. De facto, nunca tinha visto a minha cara com tanto cuidado, olhei os meus olhos ao máximo detalhe, as sobrancelhas que reduziram num acto de "last fashion", os meus lábios rasgados pelo frio, os meu nariz que cheirou o medo, a solidão, a traição, os meus ouvidos que ouviram as mais belas peripécias, lendas, estórias, música... queria entrar pelo espelho e fazer com que ele me revelasse cada imagem que reflectiu em mais de 1500 dias, como se de uma máquina fotográfica se tratasse.
Envelheci e amadureci aqui, olho para trás e não me arrependo de absolutamente nada, após cinco anos de vivência num país estranho, posso dizer que fui feliz! Não todos os segundos, pois derramei muitas lágrimas e também soltei muitas gargalhadas, mas na certeza de que o meu futuro ficará eternamente relacionado com estes cinco anos. Uma etapa muito enriquecedora da minha vida, que nunca ninguém poderá descrever, a não ser eu... Só eu sei o que vivi por estes lados...
Tenho a certeza porém que quando regressar ao meu país, evocarei muitas vezes o nome da Holanda, essencialmente em assuntos que Portugal mais carece, especificamente a nível de organização social: câmara municipal, finanças, segurança social, tribunais, centros de saúde, hospitais, colégios e escolas, entre outros. Portugal funciona com uma lentidão irritante, os serviços públicos nunca se relacionam, é necessário passar por muitas mãos até que nos possam dar a mão certa.
Aqui na Holanda, está muito frio. As pessoas pegam nas suas bicicletas e rumam ao seu trabalho. Trabalham em nome de uma sociedade organizada, muitas vezes exaustas de um Inverno de 7 meses, onde paira o cansaço, a depressão e a angústia. Trabalham muito para se manterem ocupados e esquecerem o frio e o céu cinzento que lhes aguarda no regresso a casa. As casas são confortáveis e quentes, porque há dinheiro para tudo isso e para muito mais. Há demasiado dinheiro, as pessoas já não sabem o que hão-de fazer com tanto capital. Aos fins-de-semana com um grupo de colegas juntam-se e vão beber umas cervejas até se conseguirem rir, dizer umas piaditas e relaxar. Reparei que os holandeses se relaxam totalmente quando o alcoól lhes ajuda, pois entre muitas outras coisas que influenciam o relaxamento nocturno é o simples facto de deixarem a agenda em casa. Digo isto porque em regra geral, para teres um momento de diversão é necessário que se efectue um "afspraak" (encontro) com uma semana de antecedência para te colocarem num possível "espaço" livre daquela que lhes rege a vida, a agenda. Com o dinheiro em excesso que têm viajam para países pobres, países paradisíacos - "porque há tantos holandeses a visitar Portugal?" - são pessoas com cultura, gostam de ler, de ouvir boa música, vão a concertos de todo o género, não só sabem que Figo é um jogador português como também sabem que Cristina Branco é uma fadista portuguesa. Uma pessoa jovem como eu, redireccionada por exemplo em economia sabe que Beethoven nasceu em 1770 e marcou o período Romântico, sabe que Portugal nasceu Guimarães, também sabe a História Mundial, assuntos políticos, dedica-se à abertura espiritual com o "Yoga"... a cultura geral dos Holandeses é respeitável!
Muito aprendi com esta cultura... aprendi a ser organizada, pensar em mim como indivíduo, pensar nos outros como um complemento de individualidade, respeitar o espaço e o tempo d'outrem, aprendi a ser uma mulher do séc. XXI, independente, tolerante, respeitando opções de terceiros (p ex. aborto e prostituição), aceitando a homesexualidade, conviver numa cidade que tem no mínimo 15 coffeeshops, saber no entanto da sua existência, mas limitando-me à sabedoria aqueles locais não me pertencem, conheci pessoas formidáveis que sempre me ajudaram a todos os níveis, aprendi a gostar da sua música, do seu idioma (admitindo que foi não foi de todo fácil), justiça nos serviços públicos que funcionam única e exclusivamente em prole da cidade sem haver o mínimo de corrupção. Este é o país dos direitos humanos... mas, obviamente como tudo o que existe é imperfeito, a Holanda tornou-se demasiado centrada em si mesmo, na sua evolução, no seu poder capital, nos seus actos magníficos... esqueceram-se do abraço e do toque amigo, raramente demonstram tristeza e quase sempre frieza. Com a preocupação das infra-estruturas esqueceram-se do lado humano que os une a mim, a confraternização, o diálogo, a amizade. Haverá sempre uma barreira a separar-nos, mesmo com os melhores amigos que aqui fiz... Terei saudades do Conservatório que me formou, dos membros da orquestra que durante 4 anos me acolheram com carinho, dos amigos estrangeiros que fiz, alguns já foram, alguns ficarão cá e outros acabarão por se despedir desta Holanda, dos ruídos das bicicletas na rua paralela à minha casa, da minha casa que foi a primeira e última em cinco anos (Boomstraat 41), das tulipasde Leiden, de Amesterdão, Roterdão, Haia, Utrecht... já começo a sentir falta deste presente!
Terei saudades...